quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

CORREIO DO VOUGA ENTREVISTOU O P.e FRANCISCO MELO

“As paróquias têm novas potencialidades”


“A paróquia não é um fim em si mesma, antes ela é localização da Igreja e uma das formas e meios para a Igreja realizar a sua missão na vida dos homens”, afirma o P.e Francisco Melo, que acabou de publicar o livro que resultou de dois anos de estudos em Roma. No entanto, é preciso fazer um “discernimento pastoral” para que este modo de presença da Igreja não perca força num contexto de mudanças, dificuldades e ameaças, mas mostre as suas potencialidades. Entrevista conduzida por Jorge Pires Ferreira


CORREIO DO VOUGA - Acaba de publicar o livro “A Paróquia tem futuro? Para uma paróquia geradora de quotidiano cristão em Aveiro – Do II Sínodo Diocesano aos nossos dias”. Pressupõe que há ameaças sobre a  paróquia. Quais são?

FRANCISCO MELO - Antes de mais, importa afirmar que a paróquia não é um fim em si mesma, antes ela é localização da Igreja e uma das formas e meios para a Igreja realizar a sua missão na vida dos homens. A paróquia não é absoluta em si mesma e não é sequer de instituição divina. Mas ela existe e é omnipresente no contexto eclesial que nos é dado viver. É neste sentido que poderemos afirmar que a paróquia, enquanto localização e realização da missão da Igreja, sofre um tempo de crise na medida em que é questionada a sua validade e utilidade para o hoje da missão da Igreja.

O que faz questionar a validade e utilidade da paróquia?

O capítulo II do livro apresenta uma breve história desta instituição e aborda as questões que têm afetado a paróquia, sobretudo nos últimos cem anos, depois um tempo de grande vigor no pós-Concílio de Trento. Na paróquia influi o novo contexto  sociocultural caraterizado pela complexidade, pela desconfiança diante das verdades absolutas, pelo subjetivismo e individualismo, pela modificação da relação do tempo/espaço com o homem e as sociedades por ele constituídas, pelo utilitarismo individual em que o económico se sobrepõe à pessoa, pela nova relação do indivíduo com a autoridade, pela globalização e pelo pluralismo cultural e religioso. A estabilidade deixou de estar presente e de ser fator organizador dos agregados humanos, uma vez que vivemos uma mobilidade intensa e diversificada, uma nova relação com a territorialidade, um novo sentido de pertença e uma nova forma de relação entre o indivíduo e a instituição. Em conclusão, parece-me mais apropriado falar de um novo contexto onde a paróquia se situa. Um contexto portador de novas
dificuldades e de potencialidades, mais que de ameaças.

Logo no início do livro, pergunta “Será a paróquia uma instituição válida para o ser Igreja hoje em Aveiro?”. O livro, resultando seu doutoramento, é uma resposta positiva a esta questão. No seu entender, que caraterísticas deve ter uma paróquia para que seja a Igreja “acessível a todos”?

Antes de mais quero dizer que não fiz o doutoramento, mas o segundo grau da licenciatura canónica em Teologia Pastoral. Respondendo diretamente à questão, uma paróquia, como também a Igreja no seu todo, precisa antes de mais de realizar um verdadeiro discernimento pastoral. O Papa Francisco na Evangelii Gaudium, no n.º 20, afirma que cada cristão e cada comunidade hão de discernir qual é o caminho que lhe pede o Senhor. Um discernimento que tem por base o princípio da Encarnação, que nos leva a ter em conta princípios que nos vêm da Revelação e do Magistério da Igreja, mas que nos leva ao  mesmo tempo a ter em conta a realidade concreta do homem como lugar não só a evangelizar, mas como lugar através do qual Deus nos manifesta a Sua vontade. Também um discernimento que tem na comunidade cristã o seu sujeito, porque o discernimento pastoral não é privilégio de alguns. Para que assim seja, é precisa um correta compreensão e assimilação da eclesiologia de comunhão e que se traduz num estilo de governo sinodal. É deste modo que a paróquia será acessível a todos, se bem que esta acessibilidade faz parte da paróquia em si mesma, que pela sua delimitação, territorial ou outra, contém em si esta capacidade.

Conhecendo a realidade aveirense e tendo estudado em Roma, com certeza abordou o que poderá ser uma  paróquia modelo. Como é, de facto, a paróquia modelo? Existe em algum lugar? Há bons exemplos de paróquias?

Em primeiro lugar, é preciso referir que na Teologia Pastoral, o modelo não é um ideal absoluto. Se assim fosse, não teria relação com a realidade sócio-histórica. É antes uma figura heurística do concreto, do contexto da vida do homem e da localização da Igreja. Os modelos servem somente para individuar se uma forma concreta responde às exigências do realizar da comunidade cristã em concretas coordenadas históricas. Tendo tudo isto por base, no capítulo IV do livro propõe-se que a comunidade cristã paroquial seja uma viva comunhão, que tem a sua fonte na vida trinitária expressando-se numa ligação umbilical à Igreja particular e universal e se expande nos homens, cultura e sociedade, na qual é constituída e como tal, capaz de gerar espaços de fraternidade e significação. Uma comunidade em constante envio missionário no aqui da sua história e que se configura como servidora das bem-aventuranças. Mas, é preciso realçar que este modelo, aqui referido sumariamente, mais não é do que uma possível referência para o discernimento pastoral que cada Igreja particular e cada comunidade local precisa de fazer para responder ao hoje da vontade de Deus no lugar em que se constitui. Pelo que acaba de se dizer, percebe-se que a identificação de um modelo que se adapte a uma realidade paroquial concreta é algo não consentido na Teologia Pastoral. Tal seria negar o valor da realidade humana e histórica concretas nas quais Deus manifesta continuamente a Sua vontade salvífica. 

As paróquias, pelo menos no nosso contexto, implicam um padre como pastor, líder e gestor. Poderá haver paróquias lideradas por leigos, na sua ótica? Como vê o papel dos leigos?

A Bíblia ensina-nos que é Jahvé o único pastor de Israel. Contudo, apesar de Jahvé ser o único pastor do Seu povo, isto não impede que Deus escolha representantes para colocar à frente do Seu povo, tendo como missão a guia e condução do Povo: é o caso de Aarão, Josué, David… O Messias vem apresentado como o novo David que será um autêntico Pastor. Jesus nunca se apresenta a si mesmo como um sacerdote, mas como Pastor. Por isso, Jesus comove-se, tem compaixão da multidão, porque são como ovelhas sem pastor: uma compaixão visceral que inquieta quem a experimenta. Em Mateus 9,35 – 10,4, percebemos a compaixão pelas multidões e a eleição dos doze, os quais torna participantes da sua missão. Por esta razão transmite com autoridade o seu poder libertador e sanante. Através dos doze, a missão de pastor é assim confiada aos Bispos e aos Presbíteros a eles unidos. A guia e condução das comunidades cristãs deve ser desenvolvidas por eles. Nesta missão são chamados a ser sobretudo líderes, isto é, capazes de se relacionar com a mudança, embora também sejam chamados a ser de algum modo  gestores, ou seja, capazes de relacionar com a complexidade e de promoverem uma organização capaz de responder à mudança e complexidade. A função de guia e de condução está reservada ao pastor (Bispo e/ou Presbítero), que o devem ser em estilo  sinodal.

Os leigos não podem ser párocos, mas podem colaborar… 

Todos os membros da comunidade cristã estão chamados à corresponsabilidade, cuja raiz e fonte está no batismo e que não é antes de tudo uma ajuda aos pastores, mas uma expressão da vida cristã, que encontra lugar e forma principalmente não na cooperação nas tarefas pastorais intra-eclesiais, mas na vida concreta do território, das pessoas, nos lugares de trabalho. Tal facto não impede que alguns sejam chamados à colaboração, que leva ao exercício de serviços e ministérios e à cooperação que implica o exercício de tarefas próprias do ministério ordenado. É neste enquadramento que se pode entender o papel dos fiéis leigos.

O seu estudo foca-se no período que vai do II Sínodo Diocesano (1990-1995) até aos nossos dias. É sabido que o P.e Francisco foi coordenador da Pastoral Diocesana de 2008 a 2014, com particular relevância na Missão Jubilar (2012-2013). Após estes dois anos de estudos em Roma, como olha para o período em que coordenou a pastoral diocesana?

O tempo em que fui chamado a coordenar a pastoral diocesana configurou-se num plano pastoral quinquenal e que teve como ponto de convergência a missão jubilar. Esta, penso eu, poderá ser motivo de estudo, quando tal se julgar oportuno. Mas ao olhar para esses anos, não posso deixar de concluir que não houve tempo para fazer a passagem para uma etapa seguinte que permitisse fazer frutificar o empenho colocado na implementação de tal projeto pastoral e em especial da missão jubilar. Mas o tempo e a história irão, se tal for oportuno, permitir uma avaliação mais global e consequente.

O P.e Francisco começou, com padre, na cidade de Ílhavo, passou para paróquias mais interiores de Albergaria-a- Velha (Vale Maior e Ribeira de Fráguas), trabalhou a seguir em três paróquias do litoral (Gafanhas da Nazaré, da Encarnação e do Carmo) e está agora na região da Bairrada, mais concretamente em Oliveira do Bairro e Palhaça, como pároco, e Bustos e Mamarrosa, como vigário paroquial. É diferente ser pároco nestas três regiões diferentes, ainda que sempre dentro da Diocese de Aveiro? As comunidades humanas são diferentes de uma região para outra?

Estou nestas Paróquias de Oliveira do Bairro desde o dia 24 de setembro de 2017. Tão pouco tempo ainda não me permite responder a esta questão. Qualquer resposta minha seria pura precipitação. Falta-me fazer o discernimento pastoral para o qual o passar do tempo é muito importante.

Para terminar, três perguntas de resposta rápida. Primeira: Gostou de viver em Roma?

Aceitei ir para Roma por obediência ao Bispo da Diocese e por isso vivi Roma como lugar onde tinha que completar uma missão de estudos. E foi o que fiz nos dois anos que me foram dados e por isso vivi Roma como local de estudos numa fase da vida em que me aproximava dos cinquenta anos de idade, com tudo o que isso implica…

Quantas vezes viu o Papa Francisco?

Vi o Papa várias vezes nas celebrações onde participei, mas tive o privilégio de o poder cumprimentar pessoalmente três vezes.

O P.e Francisco – muitos já lhe fizeram esta observação – regressou claramente mais magro. Não queremos entrar em aspetos privados, mas… a comida italiana não era boa?

A comida italiana é muito boa, mas Roma levou-me a andar muito a pé, sobretudo no caminho de ida e de vinda da  universidade.



25 anos de padre


O P.e Francisco Melo foi ordenado no dia 10 de janeiro de 1993, por D. António Marcelino, na Sé de Aveiro. Comemora hoje as bodas de prata sacerdotais. Ao longo dos 25 anos de padre, com passagens e colaborações em Timor Leste e São Tomé e Príncipe, foi vigário paroquial de São Salvador de Ílhavo (1993), pároco de Vale Maior e da Ribeira de Fráguas (1995-2008), diretor-coordenador do Secretariado Diocesano da Educação Cristã e do Departamento Diocesano da Educação Cristã dos Adultos (início em 1999), pároco da Gafanha da Nazaré (2008-2014), da Gafanha da Encarnação (2009-2014) e da Gafanha do Carmo (2013-2014), vigário episcopal para a Pastoral Geral (2009-2014). Coordenou em 2012-2013 a “Missão Jubilar”, que comemorou o 75.º aniversário da restauração da Diocese de Aveiro. De 2014 a 2017 estudou Pastoral na Universidade Lateranense de Roma. Desde setembro de 2017 é pároco de Oliveira do Bairro e Palhaça e vigário paroquial de Bustos e Mamarrosa.

NOTA: Entrevista publicada no Correio do Vouga desta semana. 

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